Para entender o conservadorismo, vamos começar com um exemplo genérico: as redes sociais existem há muito pouco tempo, cerca de uma década, mas, como todos sabemos, elas mudaram rapidamente vários de nossos hábitos cotidianos. Um dos lugares em que elas estão presentes é a sala de aula. Diante deste fato, qual foi a primeira reação da maioria dos professores? Proibir o uso dos smartphones.
Existe uma lógica embutida nesta reação, que é a seguinte: os alunos estão naquele lugar para aprender, o professor é a autoridade e a internet é uma distração. O problema é que a internet, com as redes sociais inclusas, é muito mais que uma distração. A internet é qualquer coisa que queiramos que ela seja.
Passados dez anos, começaram a aparecer muitos educadores desenvolvendo novas técnicas, procurando trabalhar com a internet em sala de aula, utilizando algumas das várias ferramentas que surgiram nos últimos anos. De qualquer forma, a atitude daqueles primeiros professores era própria de uma pessoa conservadora.
Em face de uma mudança que hoje sabemos ser inevitável, mas que naquele momento era “apenas uma distração”, o indivíduo se posicionava contra imediatamente. Simplesmente não procurava entender a fundo do que se tratava, e mesmo que quisesse entender melhor, seria apenas para tentar impedir a mudança, partindo do pressuposto de que iria piorar o ensino, a educação, o aprendizado, tudo.
Há várias formas de justificar uma postura conservadora, mas, de forma geral, a parte simples do conceito de conservadorismo é a resistência à mudança. Ou seja, uma predisposição do indivíduo de manter as coisas como estão, porque na sua forma de entender, qualquer mudança pode abalar algum aspecto da estabilidade social, seja ela qual for.
Mas, definir o que é conservadorismo apenas em linhas gerais não é suficiente para entendê-lo. Isso porque, dependendo do assunto que estivermos tratando, o conservadorismo pode estar mais ao centro, à esquerda ou à direita do espectro político. Em outras palavras, quando transportado para o debate político, o termo “conservador” ganha outros significados, ainda que o princípio geral se mantenha.
De forma bastante ampla, conservadores e liberais têm posições antagônicas, mas, quando analisados com a lupa da história política, percebemos que isso depende do contexto. Em princípio, um liberal acredita no individualismo, sobretudo, nas liberdades individuais. Por si mesma, essa crença já os colocaria em confronto direto com os conservadores.
Na história política brasileira, essa separação conceitual esteve representada, na prática, durante o período regencial e, depois, durante o segundo reinado. Ou seja, da morte de D. Pedro I até o final do reinado de D. Pedro II.
O conservadorismo no Brasil de então se caracterizava por defender a centralização do poder político no regente. Como era composto, em sua maioria, por grandes proprietários de terras e escravos, defendia uma política econômica baseada nas exportações para escoar o produto de suas plantações. Uma coroa forte e centralizadora representava, para eles, a melhor opção para negociar a venda de seus produtos no exterior e manter o modelo econômico dominante.
Os liberais, tendiam a ser aqueles que viviam do comércio, da manufatura ou, ainda, de culturas agrícolas não predominantes. De qualquer forma, considerando que, para estes, o mercado interno era mais importante, uma política que incluísse certa autonomia para os estados seria mais favorável a seus negócios. Até certo ponto, podiam ser considerados a oposição da época.
Se os conservadores da época entendessem esquerda como oposição – como o jornalismo atual eventualmente faz – provavelmente os conservadores classificassem os liberais desta forma, mas a plataforma genérica do liberalismo tem mais influencias no que hoje consideramos “direita”, principalmente no campo econômico.
Sim, a situação é bastante confusa. Em primeiro lugar, o período acima ocorreu entre as décadas de 1830 e 1890. Toda a obra de Karl Marx, o pensador primordial da esquerda, ainda estava sendo escrita neste período. Isso significa que, o que hoje entendemos por “esquerda”, não existia naquele momento.
Por isso, voltamos a ressaltar que, ser conservador ou não, liberal ou não, depende não apenas do que o cidadão toma como seus princípios ou de uma conceituação genérica, mas, do contexto político e do tema em questão. Hoje em dia, por exemplo, podemos falar de um conservadorismo liberal, que aglutina princípios da economia liberal com um conservadorismo social parcialmente renovado.
Para tentar esclarecer, vamos observar o que significa o conservadorismo dentro de duas grandes áreas, procurando manter o foco na realidade brasileira.
Conservadorismo político
Para explicar o conservadorismo político, seria possível recorrer a vários momentos históricos ou grandes pensadores, tanto do passado quanto mais recentes. Mas, nada sintetiza melhor o que significa esta corrente de pensamento no Brasil do que uma frase utilizada por alguns movimentos sociais dos anos 1960 e 1970: “tradição, família e propriedade”.
Até os dias atuais, existe uma organização com este nome (TFP), mas, no ano de 1964, com a classe média se sentindo acuada pelo “perigo vermelho” – o comunismo – ocorreram algumas manifestações com este lema. Ficaram conhecidas como a “Marcha da família, com Deus, pela liberdade”.
Naquele contexto pré-ditadura militar, o conservadorismo brasileiro expunha seus principais valores. Como cristãos, católicos principalmente, a família era considerada um pilar de sustentação da sociedade e para garantir que os valores familiares se mantivessem, era igualmente fundamental o direito à propriedade. Por consequência, a tradição católica acompanhava o núcleo conceitual das manifestações.
Mesmo que hoje esta identificação com o catolicismo tenha se perdido, ou pelo menos arrefecido, de forma geral, pode-se dizer que o conservadorismo político brasileiro é, na verdade, um conservadorismo social. Seu entendimento dos valores familiares continua sendo um dos pilares do pensamento conservador e se expressa atualmente, nas infindáveis discussões sobre os direitos da comunidade LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transsexuais e Transgêneros).
Mas também, em outras questões igualmente sensíveis para os conservadores, como a legalização do aborto ou a descriminalização da maconha, por exemplo. Estas questões, quando propostas, são encaradas como ataques diretos à própria existência da família brasileira. Este certamente é o traço mais peculiar do conservadorismo no país e também, no mundo ocidental.
Mas, novamente, é importante salientar que, assim como há divergências no pensamento dito de esquerda, também há divergências no pensamento dito de direita. Um dos campos onde estas divergências ficam mais claras é o econômico.
Aquele princípio conservador, que entendia o comunismo como a maior ameaça à sociedade tradicional, ficou órfão após o desmantelamento da antiga União Soviética. De uma hora para outra, o monstro havia desaparecido. Mas, no campo econômico, sobretudo no que tange às questões sociais, muitas das bandeiras socialistas permaneciam vivas.
Não são princípios exatamente comunistas – o socialismo é uma espécie de primo distante do comunismo – mas, para a corrente conservadora, todo Estado centralizador, ou que mantivesse grandes programas sociais, acabava sendo muito parecido com o monstro vermelho.
Por este caminho, na Europa por exemplo, a discussão acabou ficando polarizada entre a Social Democracia, também chamada de “Estado de bem estar social” (Welfare State) e o liberalismo econômico, que pregava a diminuição do tamanho do Estado e também uma parcial desregulamentação da economia, a partir da tese de que o mercado era capaz de gerir o capitalismo melhor do que o Estado.
Ainda que seja (ou fosse) verdade, nunca se estabeleceu um consenso absoluto a este respeito. Mesmo porque, no âmago da discussão, estão alguns pontos que ultrapassam a fronteira das posições ideológicas abstratas.
Traduzindo, assim como muitos comunistas convictos odiavam enfrentar filas enormes para conseguir sua ração mensal de itens básicos como papel higiênico, enquanto o governo soviético estocava milhares de ogivas nucleares, muitos conservadores, liberais convictos, podem odiar dependerem de muitos dos serviços prestados pelo Estado, mas, dependem deles assim mesmo.
O capitalismo e o comunismo, cada um à sua maneira, são insensíveis ao indivíduo. O cidadão comum, passando por dificuldades ou não, é apenas um número, em ambos os sistemas. Como somos seres essencialmente políticos, todos nós teorizamos e debatemos estas questões de um forma, quando não precisamos do Estado e de outra, totalmente diferente, quando precisamos.
Aparentemente, o conservadorismo e o “novo” liberalismo dominaram o cenário político brasileiro. A influência do conservadorismo no serviço social, por exemplo, pode ser sentida em questões muito recentes, como o apoio considerável que a população de São Paulo parece ter dado à tentativa de fechamento da região conhecida como cracolândia.
O perfil conservador da população se concretizou em um apoio quase unânime à uma ação pouco pensada e que, passadas algumas semanas, parece ter apenas transformado uma grande cracolândia em várias “mini cracolândias”; este aliás, é um dos principais argumentos presentes nas críticas ao conservadorismo. Principalmente, quando atrelado ao liberalismo econômico.
Na medida em que prega o Estado mínimo, em praticamente qualquer uma das suas instâncias, acaba transformando-o em apenas mais um agente capitalista. Um Estado desarticulado de suas ferramentas de assistência social e, portanto, desobrigado a prestar o apoio à população que a constituição determina.
Por outro lado, um Estado gigantesco, que queira cuidar de todos os aspectos da sociedade, também não é o ideal e, provavelmente, não faz parte do programa político de absolutamente ninguém. Além disso, nossa realidade nos mostra que ainda não estamos em nenhum destes extremos.
Talvez, dependendo de nossa capacidade diálogo, ainda possamos chegar a um acordo em algum ponto do futuro.
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